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Cadê as mulheres no Choro?

Atualizado: 29 de mar. de 2023

Em 2017, nas reuniões de produção do “Brasil Toca Choro” que reuniu cerca de 130 músicos em seus 13 programas, a então coordenadora da TVCultura, Marisa Guimarães, diversas vezes perguntava: “Mas não tem nenhuma mulher tocando nesse programa?” E, por conta de seu questionamento, foram chamadas 10 cantoras* e 16 instrumentistas** (4 percussões/pandeiro, 4 pianos, 3 clarinetes, 2 flautas, 1 sax, 1 violino, 1 cavaquinho) nem 20% dos artistas, o que é ínfimo e claramente não corresponde com a quantidade de mulheres que se forma em conservatórios, faculdades ou que se dedica à um instrumento sem ter tido acesso à qualquer instituição.

Há uma espécie de fisiologismo masculino ou melhor o famoso “é tudo brother” no meio dos músicos, que coíbe que as mulheres estejam presentes lado a lado em grupos, as raras exceções normalmente são cantoras ou instrumentistas que denunciam o seu esforço mastodôntico para serem incluídas e respeitadas enquanto iguais. O motivo sempre assegurado é a qualidade das instrumentistas, o que me parece um preconceito, já que não é baseado em fatos reais. O perverso da falta de inclusão é que o músico se desenvolve justamente nessas trocas e não dar espaço às mulheres instrumentistas é também colaborar para que estas não se desenvolvam. A música é uma arte baseada na relação sonora, tanto entre as notas musicais e seus intervalos, as progressões harmônicas e é óbvio, tanto entre às pessoas que estão tocando, quanto às que estão ouvindo.


É um círculo vicioso e sistêmico: quando não há instrumentistas mulheres no palco, não há identificação das estudantes de música para ocupar esse espaço.

Além das mulheres terem sua “qualidade musical” questionada, muitas vezes se alega o desconhecimento de uma musicista de determinado instrumento. “não conheço nenhuma clarinetista”, “não conheço nenhuma trombonista”, “não conheço nenhuma cavaquinista”, “não conheço nenhuma violonista”, “não conheço nenhuma pandeirista” etc. O que dá a impressão que o estudo destes instrumentos não é algo praticado pelas mulheres ou pior, que as mulheres não podem nem sequer pensar em estudar determinados instrumentos, já que em nenhum lugar se enxerga a presença delas. Quando há testes em orquestras há um biombo para que ninguém saiba quem é o instrumentista. Com essa prática muitas mulheres conseguiram sua vaga, o que revela também como talvez, pela ausência de “biombos” na música popular, muitas ainda não são incluídas.


Escutamos e lemos tanto sobre representatividade e identificação nas redes sociais, que as vezes eu temo que nós mesmos acreditamos que essas questões já foram superadas, mas ainda estamos muito longe de sanar estas carências. Por isso digo que aquelas que tocam são representantes sim.


Sonoroso (K-Ximbinho) com Marina Siqueira (pandeiro), Milton Mori (cavaquinho), Maria Beraldo (clarinete), Oswaldinho do Acordeon, Lula Gama (violão) e Edmilson Capelupi (violão 7 Cordas).



É um círculo vicioso e sistêmico: quando não há instrumentistas mulheres no palco, não há identificação das estudantes de música para ocupar esse espaço. E isso não é lorota não. Trabalho com o pianista Hercules Gomes, e já presenciei diversas vezes jovens estudantes negros se aproximarem ao final dos shows admirados com a possibilidade de serem incluídos nos palcos e respeitados como grandes músicos. O exemplo do Hercules faz com que muitos tenham seus sonhos inflados pela possibilidade que a presença e o virtuosismo dele representa. Não é somente às mulheres que essas oportunidades são negadas e é importante que a música reflita sempre a pluralidade de corpos e identidades tão presente na sociedade brasileira. Isso não é balela. As mulheres precisam de espaço nas bandas e nas rodas de choro. Se não a carreira profissional se restringe à licenciatura de música, o que é um trabalho muito digno e normalmente realizado por mulheres que formam centenas de grandes músicos, o que denota a incrível capacidade de muitas em ensinar e pensar educação musical. O que eu gostaria é que nós entendêssemos, como estas mulheres que muitas vezes improvisam aulas brilhantes e auxiliam tantas pessoas a se desenvolver musicalmente, tem capacidade de realizar improvisações, arranjos e composições tão geniais quanto. Elas têm muito a dizer com seus clarinetes, trombones, cavaquinhos, violões, pandeiros e vozes!


Fadas (Luis Melodia) com Vanessa Melo (clarinete), Izaías Bueno (bandolim), Jota R (cavaquinho), Anna Tréa (voz/violão), Israel Bueno (violão 7 cordas) e Léo Rodrigues (pandeiro).



Acho muito importante o papel dos grupos totalmente femininos. Eles vão revelar o potencial das instrumentistas. Mas o interessante na proposta da Rita Braga é que “Menina Também Chora”, moças e moços compartilhando o prazer da música em tempo real e presencial, quando tudo voltar ao normal. É necessário que tanto nós observemos grupos mais plurais e inclusivos, como forma de celebração da riqueza imaterial da música, como os próprios músicos e músicas tenham essa relação entre si, para que mais mulheres integrem os projetos, gigs, grupos, big bands, rodas. Um projeto para o público e também para o camarim (rs).


Que essa proposta inclusiva possa ganhar o imaginário coletivo!


(texto escrito com a colaboração de Sophia Chablau)


 

Assista às participações das meninas no Brasil Toca Choro. É só clicar no nome.



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