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Como surgiu MENINA também chora?

Atualizado: 23 de out. de 2021

Minha história com o choro começou em 1999. Na eliminatória do II Prêmio Visa de MPB edição Vocal cantei Noites Cariocas (Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) . Acho que fui a única participante a interpretar um choro naquela edição.



Desde então estudei, pesquisei e fui descobrindo interpretações de Ademilde Fonseca, Baby Consuelo, Gal Costa, Nara Leão, Clara Nunes, Elizeth Cardoso. Um time de cantoras que colocava um selo de qualidade incontestável. Descobri também choros inéditos, contemporâneos. E fui fazendo outras coisas porque gosto de cantar de tudo, desejo plenamente satisfeito quando entrei no Mawaca em 2009, indicada pelo Gabriel Levy. O grupo dirigido pela Magda Pucci surgiu do interesse e estudo dos diversos cantos do mundo e em 2020 comemora 25 anos de trajetória pela música do planeta. Cantar em mais de 20 línguas, com peculiaridades distintas, me deixava com a voz cansada e eu terminava os shows rouca. Quem me ajudou com os ajustes vocais foi o Juvenal de Moura, fonoaudiólogo e professor de canto. A técnica também foi essencial para encarar os desafios do choro cantado. Aliás, foi participando de um festival na Grécia com o Mawaca que cantei com o Yamandu Costa. Ele me acompanhou em Lamentos (Pixinguinha/Vinícius de Moraes) depois do show, na mesa do bar. Aquela noite foi bem especial.


Yamandu Costa, Rita Braga, Vânia Vieira e Paulo Bira em Thessaloniki na Grécia, 2012


Não frequentei rodas, acho difícil cantar em roda de choro e há vários motivos para isso, alguns ritualísticos, uma certa hierarquia. Mas há também questões técnicas como a tonalidade. É que a tessitura de um cantor ou cantora não é quase nunca a do ‘tom original’. Mas nas rodas, quando se sugere uma música já se sabe o tom, assim como acontece na música de concerto. O choro é mesmo um gênero entre o erudito e o popular e nasceu instrumental, é verdade. Mas também é verdade que ganhou letra logo em seus primórdios. Assim foi com Flor Amorosa, choro de Joaquim Callado para o qual Catulo da Paixão Cearense fez uma letra em 1880 e tem um registro em LP de 1914. Além disso é inegável que a voz, a palavra cantada, aproxima a música do ouvinte. Cantar choro também é elevar a voz ao status de instrumento virtuosístico, com os arpejos, os saltos, a extensão.

Nos shows em que eu cantei choro, tive ótima receptividade do público, as pessoas cantando comigo, outras se admirando de não saber que este ou aquele clássico tinha letra. Foi assim também no 19o. Festival de Música de Ourinhos, em 2 de julho de 2019. O enfoque foi o 'protagonismo feminino'. Eu estava acompanhada de três músicos excelentes: Ramon Montagner (percuteria), João Cristal (piano) e Dino Barioni (bandolim, violão, direção musical). Todos ótimos. Todos homens.


No caminho de volta pra casa, comecei a pensar sobre a presença feminina no choro e sobre o que significa ter uma edição de um festival dedicada a jogar luz a esta 'não ausência'. Lembrei das meninas que conheço e que se reúnem em grupos exclusivamente femininos para tocar choro, pensei em todas as instrumentistas populares e como elas surgem a conta-gotas. E já que eu estava no interior e a viagem era longa, fiquei matutando...


Dino Barioni, Rita Braga, Théo Braga, João Cristal e a estrada.


Homens são a maioria ou a totalidade dos integrantes dos grupos de choro, assim como dos ‘ensembles’ instrumentais. As exceções são, predominantemente, os grupos só de mulheres. Nem por isso mais mulheres estão nos grupos. Parece continuar havendo esta segregação, divisão. Eu não tenho dúvida de que mulheres são instrumentistas tão competentes quanto seus pares masculinos. Muitas delas estavam lá no Festival de Ourinhos: Carla Ponsato, Silvia Goes, Gê Cortes, Carol Panesi, Vera Figueiredo. Mas meninas são menos incentivadas a tocar um instrumento e a seguir a carreira profissional. Ainda assim, persistimos. Mulheres também tocam, também fazem choro, produzem e escrevem composições e arranjos para choro. Por que não juntar, misturar? Meninos e meninas. Agregar, unir, compartilhar. E se esses encontros acontecerem como regra a roda não será mais democrática, inclusiva e acolhedora? A roda de choro e a roda da produção musical?


Comentei com o Dino, o João e o Théo que estavam no carro: "Olha, acho que vou criar um projeto chamado Menina também Chora".


Poucas semanas depois comprei o domínio e a hospedagem: meninatbchora.org

Um ano depois, o site está no ar.

O show que faríamos em maio deste ano de 2020 teve de ser adiado por causa da COVID-19 e do distanciamento social que veio com a pandemia. Mas virá e terá mulheres instrumentistas, solistas, compositoras e cantoras de choro. É um projeto onde menina também toca, produz e canta choro.

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