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Rita Braga

Mais Fios de Choro no Violino de Wanessa Dourado - post extendido


Conheci a Wanessa Dourado no I Festival de Choro de Ilha Bela em 2019, no mesmo dia em que conheci a Jeanne de Castro (produtora) e a Dani Bruder (cantora e organizadora do festival) que aparecerão por aqui em outros posts. Após os shows da noite quando ela acompanhou a Dani Bruder e eu participei no show do Hércules Gomes, conversamos um pouco e trocamos contato. Comecei a acompanhar seu trabalho e a convidá-la para meus projetos.


Wanessa é um daqueles exemplos claros de como o choro se posiciona entre o erudito e o popular. Se formou em violino sob a orientação da professora Elisa Fukuda, referência do violino erudito no Brasil. Atuou na Orquestra Experimental de Repertório e Orquestra Municipal de Jundiaí; participou do Festival de Música de Campos do Jordão e como convidada da Orquestra Jazz Sinfônica e a Orquestra Sinfônica da USP. Integra a Orquestra Sinfônica de Santo André.


No universo da música popular, Wanessa estudou com os violinistas Nicolas Krassik e Ricardo Herz, com a pianista Silvia Góes e o flautista João Poleto, com quem iniciou os estudos de Choro. Com diferentes formações populares Trio Ensemble Choro Erudito, Quarteto Iapó e Vintena Paulista, explora as possibilidades do violino.


Às vésperas de completar 29 anos e em pleno isolamento por causa da COVID-19, a violinista ela conversou comigo (virtualmente, é claro) sobre sua história musical, sua relação com o choro, seu trabalho autoral e suas percepções sobre o papel da mulher no choro.


Você está lendo o post-extendido. Para a versão resumida, clique aqui.


“Se o choro tivesse sido protagonizado só por mulheres desde o início, seria o que é hoje? O som das mulheres a gente não presenciou historicamente.

Uma das coisas que me chamou mais atenção durante nosso papo foi a maneira como a Wanessa ouve atentamente e toma um momento para refletir antes de responder ou comentar. Nas relações pessoais como na música, é precioso ouvir, absorver antes de reagir para que a interação seja consistente e bela.

Wanessa teve formação erudita. Cursou violino na Emesp por 2 anos e na Faculdade Cantareira por 3 anos. Foi Spalla em um dos muitos festivais que participou, tocou (e toca) em orquestras. Mas revela que a música veio de forma intuitiva já do berço, ou melhor, do púlpito da igreja evangélica que sua família frequentava.“Meu pai era maestro de coral. Então eu já cresci num ambiente onde meus pais cantavam, meu pai tocava baixo, minha mãe tocava guitarra, tudo de ouvido. Com 3 anos de idade eu já cantava e com sete a minha pira era decorar as vozes de cada naipe depois e depois é ensinar a cada um.”

A voz foi seu primeiro instrumento. Também regeu coral e orquestra nesse mesmo ambiente afetivo. Não lia partitura, preferia ‘tirar tudo de ouvido’. Por ali mesmo, observando os músicos, escolheu o violino. Seus primeiros professores de instrumento foram os integrantes mais experientes da banda.

Aos 15, ingressou na EMESP, formatizou os estudos, aprendeu repertório e ajeitou a técnica. “Eu era toda tortinha, tinha muita coisa pra arrumar. Abriu minha cabeça.” No ano seguinte, integrou a Orquestra Jovem do Estado sob regência de José Maurício Galindo.

Nessa época, organizava recitais em casa para os 2 irmãos cujas críticas a surpreendiam: “Nossa, você está tocando isso mas eu não estou ouvindo o baixo...” Especialistas, ambos cantam e a irmã ainda toca flauta. Todos na família a apoiavam o seu desejo de se tornar concertista.

Sua trajetória profissional teria sido coroada com a realização de um sonho: completar seus estudos em um conservatório na Europa. “Eu e mais muitos amigos tínhamos esse sonho, ser solista de orquestra na Europa.” Viena, Berlin... Nessa época ela estudava 10 horas por dia e nem queria ir para escola. Sua mãe até reclamava: “Pára de estudar e vai comer alguma coisa”.

Em 2012, Wanessa foi a Genebra fazer a prova do conservatório. 180 violinistas, 5 vagas. Foi a 3a suplente. Voltou ao Brasil e foi chamada, mas percebeu que sua ida foi um impulso mal planejado tanto financeiramente quanto do ponto de vista da realidade do imigrante. E o ambiente erudito já havia provocado algumas decepções. Enfim, Genebra perdeu um grande talento. Sorte a nossa.

Violino Popular? Qu'est-ce que c'est?

Durante o primeiro ano de faculdade, tocando em 2 orquestras, a música popular não a interessava. Ela até admite que nutria ‘um certo preconceito’. Nem com o marido, guitarrista de jazz e violonista João Pellegrini, que sentava ao seu lado na sala de aula, ela falava. (risos)

Foi num trabalho obrigatório de metodologia da pesquisa, no segundo ano que ela foi cismar de pesquisar sobre o Baião. E foi então que chegou seu Lula. O Gonzagão, não o presidente. “Comecei a pesquisar e descobri um universo."

O Choro já estava em casa, ou melhor, na república onde ela morava. Sua amiga Jennifer estudava clarinete e logo de manhã, aquela sonoridade. Wanessa foi se chegando, quis olhar as partituras, quis estudar, tirar as músicas. Juntou Choro com Luis Gonzaga e aí... “O Choro pra mim foi uma paixão como foi a música erudita quando eu comecei.”

O reconhecimento veio pelo bandolim. “O bandolim e o violino têm a mesma digitação. É claro que o bandolim tem os trastes, corda dupla e se toca com palheta, é outro instrumento. Mas o instrumento mais similar ao violino dentro do choro é o bandolim. Então pra mim foi uma referência muito grande estudar os bandolinistas."

Começou a ouvir muito choro e a partir das gravações de Luperce Miranda, Joel Nascimento, Jacob do Bandolim e Déo Rian e do próprio Hamilton de Holanda (que é uma referência de um choro mais atual), Wanessa aprendeu uma nova linguagem. “Como minha formação foi muito intuitiva, eu tinha muita dificuldade, e ainda tenho, de racionalizar a harmonia. Eu escuto, ela fica no meu ouvido, raramente eu consigo improvisar pensando na harmonia, hoje eu sei a harmonia, mas durante um bom tempo eu só improvisava de ouvido, as frases vinham na minha cabeça e eu tocava.”

Fios de Choro

Wanessa trancou a faculdade, para a qual nunca mais voltou, subiu na van com o namorado e alguns amigos rumo a Salvador, no melhor estilo hippie, tocando e enchendo o tanque com a grana do chapéu. Daí nasceu o Fios de Choro, originalmente Choro, Amor e Vela: “A gente formou um trio e começou a tirar mais choros para se apresentar nessa viagem. Éramos eu, o João Pellegrini no violão (amor) e nosso amigo pandeirista (a vela). O grupo nasceu como trio e depois acrescentamos o cavaco.”

Wanessa reforça constantemente a importância da produção coletiva, de estar junto, ensaiar, desenvolver. Além disso, Fios de Choro inclui elementos de outros ritmos brasileiros, especialmente pernambucanos.

“A gente queria isso, incluir outros elementos no choro. Na hora de desenvolver os arranjos surgia a vontade de colocar um Maracatu, por exemplo. E agente achava que deveria vivenciar isso. Fomos 3 vezes para Pernambuco por 20 dias a 40 dias. É um grupo que tem muito a proposta de pesquisa e desenvolvimento.”

Mas ela não está alheia à religiosidade do choro tradicional. Um dos mestres que parece ter aprovado a transgressão foi professor Marco César, bandolinista pernambucano, com quem estiveram em Recife. Isaías Bueno é outro grande que fará participação no próximo álbum do quarteto.

“Eu venho de uma geração ansiosa que quer estudar tudo e o violino não faz parte da formação tradicional de choro. Por isso não conseguíamos nos enxergar fazendo algo tradicional, porque existem outras coisas que podem dialogar e que fica bom.”

Lugar de Mulher é no Choro


Foi há aproximadamente 3 anos, frequentando assiduamente rodas de choro, que ficou muito claro que ela não se identificava com seus pares. Wanessa era uma entre 2 ou a única mulher. “Eu comecei a me decepcionar. Eu vou ouvir um choro e é uma composição masculina, executada por homens. E eu sempre estava num ambiente muito masculino por causa das rodas. Eu frequentava uma roda bem diferente, super aberta, que vira madrugada, chamada Coletivo Choro Xangô e que foi uma escola pra mim. Mas nem meus amigos, queridos, conseguem olhar pra isso. E eu não me sentia adequada. Eu quis entender as questões culturais e os processos internos que a gente passa. Por ter essa raiz cultural tão gigante do machismo.

A presença feminina no choro, tema deste site, nem sempre é bem-vinda e como é horrível ver uma menina ‘expulsa da roda’. Muitas vezes, o desconforto chega à manifestação física, leva à ansiedade, a crises pânico o que também foi colocado com sinceridade na nossa conversa. E não é só no choro, não. Está nas orquestras, na música instrumental.


“Quando alguém me diz, olha você viu o Fulano? Ele passou pro filho dele, eu sempre gosto de dar aquela cutucada. Por que não passou pra filha também?

“A Carol Panesi, por exemplo, ela é uma mulher maravilhosa, multi-instrumentista e eu via a dificuldade que ela tem. Poxa, todo talento que ela tem não é o bastante? A impressão que dá é essa. E eu via como é difícil para a mulher instrumentista de conseguir seu espaço. No último ano, estive conversando sobre isso com várias instrumentistas que percebem as mesmas coisas. E no choro é ainda mais evidente. Nas rodas você vê um monte de homem errando e tá tudo bem, mas se é mulher tem que tocar perfeito. Se não tocar perfeito tem que procurar outra roda.”


Roda de Mulheres


“Ir às rodas é essencial”, ela afirma. Mas qual roda? Ela acredita que é preciso construir o som das mulheres no choro e sair desse lugar historicamente abafado. Assim ela ficou sabendo do acervo de mais de 7,5 mil composições de mulheres brasileiras de todas as épocas da Carô Mugel ,pesquisadora da Unicamp que eu conheci quando estive com o Mawaca na Mostra Leão do Norte do SESC-PE em Garanhuns, em 2018.


“Se tivesse sido o contrário, será que seria o mesmo choro? Se o choro tivesse sido protagonizado só por mulheres, desde o início, será que o choro seria o que é hoje? Porque o som das mulheres a gente não presenciou historicamente.”

"Eu vejo que em algumas mulheres existe um medo de chegar, de ser rejeitada, de errar, porque é um ambiente muito opressor."

Wanessa me convidou para cantar na primeira Roda de Mulheres que aconteceu na Casa Barbosa em Fevereiro deste ano. Foi mesmo muito especial! Me senti inserida, acolhida, abraçada pelas meninas que ali estavam fazendo um som e compartilhando seus talentos. Continua, depois que passar o perigo do Coronavírus com encontros que antecipam às apresentações. “A minha ideia é montar ensaios de choro coletivos, de mulheres no choro. Podem chegar homens? Podem. Mas seria um espaço de estudo. Até esse processo com os Fios de Choro eu fiz só com homens. As mulheres precisam desse apoio umas das outras. Eu vejo que em algumas mulheres existe um medo de chegar, de ser rejeitada, de errar, porque é um ambiente muito opressor. O ensaio é também pra gente se estimular. E seria uma escola para mim”

Durante a quarentena ela compõe, estuda, ministra aulas de violino e estrutura trabalhos futuros. Aos domingos, às 15 hs, faz o Som de Domingo em duo com o João Pellegrini pelo Instagram e Facebook.


Sobre o blog Menina também Chora, ela comenta: “É muito importante por a mão na massa e dar espaço para discutirmos coisas que podem eliminar esses comportamentos estruturados, até de nós mesmas, para termos mais consciência e fazer com que nossos colegas homens venham com a gente para isso se romper. Porque não faz sentido. A música não precisa ter barreiras que nos impedem de criar coisas juntos.”


É isso, Wan.


Outras Meninas por Wanessa Dourado


Para terminar, eu pedi que ela cite o trabalho de outras mulheres do choro para você se inspirar e conhecer.


Raíssa Anastásia

Thaína Oliveira

Choronas

Cibele Palupoli

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